sexta-feira, 6 de junho de 2014

Livro indicado: No Place to Hide

Livro: No Place to Hide | Sem Lugar para se Esconder
Editora: Metropolitan Books
Edição: 1º
Data: 2014 
ISBN-10: 162779073X
ISBN-13: 978-1627790734
Livro no Scribd: http://pt.scribd.com/doc/226087265/Glenn-Greenwald-Sem-Lugar-Para-Se-Esconder-A-historia-de-Ed-Snowden
Porque ler: Traçando um cenário quase cinematográfico, onde baterias de celulares precisam ser removidas dos dispositivos para evitar que sejam remotamente explorados, o uso de criptografia nos softwares é imprescindível para as comunicações e precauções são tomadas para evitar serem seguidos nas ruas, Greenwald narra toda a história que envolveu a denúncia da escandalosa vigilância americana sobre as comunicações digitais pela NSA. Ele narra os fatos desde os seus primeiros contatos com Edward Snowden (que tentou contatá-lo diretamente diversas vezes mas esbarrou no fato de Greenwald não usar criptografia nos seus e-mails), passa pela política de "Coletar Tudo" do governo americano, faz duras críticas a imprensa americana que estaria sendo conivente com as ações do governo e termina no seu drama pessoal com as acusações de espionagem e tentativas de manchar sua imagem e a de Snowden após as revelações. 

Greenwald comenta sobre sua parceira nas revelações com Laura Poitras, que efetivamente teve os primeiros contatos e acreditou na história que Snowden tinha para contar. Laura que, anos antes, havia ensinado a Greenwald uma importante lição: depois de trabalhar algum tempo explorando o tema "Vigilância da NSA" e produzido 3 filmes bem críticos da chamada "Guerra ao Terror", Laura começou a ser alvo do governo americano, sendo constantemente "capturada" em aeroportos para interrogação. Laura foi interrogada, constantemente ameaçada e teve, por diversas vezes, seus materiais (laptops, câmeras, smartphones) apreendidos. Após um interrogatório extremamente abusivo no Newark Liberty International Airport, Laura, que havia decidido não reclamar publicamente com medo de que as agressões se intensificassem, notou que a situação não estava melhorando, pelo contrário, as abordagens estavam ficando piores. Foi então que Greenwald publicou um artigo sobre esses abusos e, pela primeira vez em alguns anos, Laura pôde viajar em paz sem ser ameaçada ou interrogada. Qual a lição? Conforme Greenwald, a lição é que os oficiais da segurança nacional americana não gostam da luz. Eles agem abusivamente e furtivamente quando acreditam estarem seguros, no escuro. Conforme o autor "A transparência é o único antídoto que funciona". 

Já tive minhas dúvidas sobre as intenções de Snowden, afinal, porque alguém assinaria sua "sentença de morte", revelando documentos importantes sobre abusos de espionagem ao redor do globo terrestre, realizados pelo seu próprio governo (governo ao qual, ele trabalhava terceirizado)? Me custava acreditar que fosse apenas um "bom samaritano", um verdadeiro patriota buscando por justiça. Porém declarações como essas, feitas pelo próprio Snowden e registradas por Greenwald, certamente me fazem entender suas motivações mais claramente: "Quero promover um debate mundial sobre privacidade, liberdade na Internet e os perigos de um estado de vigilância. Não tenho medo do que acontecerá comigo. Eu aceitei que minha vida terá praticamente acabado depois de fazer isso. Estou em paz com isso. Eu sei que é a coisa certa a fazer. (...) A única coisa com a qual não posso viver é saber que não fiz nada. (...) Eu só tenho um medo em fazer tudo isso: que as pessoas vão olhar esses documentos e dar de ombros; que dirão 'nós sabemos que isso está acontecendo mas não nos importamos'. A única coisa que me preocupa é fazer todas essas revelações por nada." Conforme o autor comenta, nos primeiros contatos, Snowden se apresentou como "Cincinatus", uma referência ao general romano Cincinato, que era um fazendeiro e se tornou símbolo do uso do poder político para o interesse público e desapego (pois uma vez cumprida a sua missão, renunciou ao poder). 

Estando dentro da NSA, Snowden percebeu que, o que seu governo fazia, não era exatamente o que ele pregava. A obra cita exemplos de atividades inescrupulosas, como no caso de um banqueiro suíço, o qual a CIA queria recrutar para obter informações confidenciais financeiras sobre indivíduos dos EUA considerados "suspeitos". Conforme o relato de Snowden, um agente da CIA disfarçado fez amizade com o tal banqueiro e, numa certa noite, o embebedou e o incentivou a voltar de carro para casa. Armadilha preparada, o homem foi parado pela polícia, dirigindo embriagado. Foi quando o agente se ofereceu para ajudá-lo de várias maneiras, contanto que ele cooperasse com a agência fornecendo as informações necessárias. No final das contas a tentativa de recrutamento acabou fracassando, mas, conforme Snowden, "Eles destruíram a vida do sujeito por algo que nem deu certo, e depois simplesmente foram embora". Snowden relata ainda ter visto drones sobrevoando casas de pessoas que eles intencionavam matar, viu pessoas sendo espionadas em tempo real, enquanto elas digitavam na Internet sem sequer suspeitar que estavam sendo vigiadas e percebeu o quão invasiva e abrangente era essa vigilância. Eu, sinceramente, acredito nas suas motivações. 

Além disso, o fato de Snowden ter revelado informações apenas sobre a vigilância exacerbada e não sobre informações da CIA (o que segundo ele, poderia revelar a identidade de agentes duplos ou informantes), atesta muito a seu favor e diz muito sobre suas intenções. Revelar segredos da CIA, poderia ameaçar vidas humanas. Revelar segredos da NSA, ameaça apenas sistemas abusivos de vigilância. 

Lendo o livro, chama a atenção que diversas pessoas, de diversas agências, certamente sabiam da coleta de dados, visto que várias empresas foram compelidas a fornecer informações ao governo americano. Ainda assim, a atitude de fazer essas revelações ao mundo partiu de de alguém de dentro, que sabia "o que" e "como" fazê-lo. Porém o que me assusta de fato é: quantos, além de Snowden, passaram por esse "conflito ético" e decidiram não fazer nada??? Será que eu o faria? E você? O livro numa análise profunda, nos remete mostra justamente um cenário onde alguém está fazendo, alguém teve essa coragem, e ao invés de ser ouvido, está sendo, por muitos veículos da imprensa americana, julgado (e pasmem, condenado).

Link: http://www.amazon.com/No-Place-Hide-Snowden-Surveillance/dp/162779073X
Capa do distinto:


Indo adiante, as revelações de Snowden tocam num ponto da segurança da informação que é, o acesso de terceiros a informações sensíveis e privilegiadas, sem um controle eficiente. Mesmo sabendo que, existe uma suspeita de que Snowden tenha usado engenharia social contra alguns de seus colegas, é um ponto falho que precisa ser levado em consideração, afinal, não estamos falando do controle de acesso as informações da padaria da esquina e sim de um profissional com um determinado nível de acesso que, após enfrentar um conflito ético, mostrou ao mundo uma coletânea de ações que infringem diversos aspectos da constituição americana (e de diversos outros países também). Se um órgão como a NSA não consegue evitar que seus funcionários vazem informações, é de se pensar que a sua empresa, que provavelmente não possui o mesmo nível de segurança (e tampouco investimentos nessa área, comparáveis a NSA), também esteja vulnerável, não?! Ainda mais agravante, o fato de esse mesmo governo não agir com transparência para com sua própria população.

O engraçado é que, "transparência" é justamente um dos motivos da "vigilância". O governo tem a obrigação de ser transparente com os seus governados, afinal, trata-se de um governo eleito e suas ações devem ir comprovadamente de encontro aos interesses dessa população.  E o que acontece é justamente o contrário!! Os governos (e aqui não falo apenas do americano), agem furtivamente para tornar a vida da sua população transparente. Acesso vigilante e indiscriminado aos seus e-mails? As suas ligações? Aos seus pensamentos??? A hipocrisia envolvida em querer que os outros abram mão da sua privacidade, enquanto você se agarra a sua com unhas e dentes é um fator repetido diversas vezes no livro. Inclusive o caso do CEO do Google, Eric Schmidt, que teve suas informações pessoais como endereço, hobbies, e salário, divulgados por repórteres da CNET com informações descobertas através do próprio Google (a Google ficou 1 ano inteiro sem conceder entrevistas aos jornalistas da CNET em função do episódio que tratava-se justamente de questionar a empresa sobre a quantidade de informações que coletava).

Citando um pequeno trecho do livro (na minha parca tradução): "A democracia exige responsabilidade e consentimento do governado, que só é possível se o cidadão sabe o que está sendo feito em seu nome. Presume-se que, com raras exceções, eles saberão o que seus políticos estão fazendo, que é o motivo pelo qual eles são chamados de servidores públicos, trabalham no setor público para órgãos públicos. Da mesma maneira, presume-se que o governo, com raras exceções, não saberá nada do que os cidadãos obedientes à lei estão fazendo. É por isso que somos chamados de pessoas privadas, funcionando em nossas capacidades privadas. Transparência é para aqueles que exercem funções públicas e poder público. Privacidade é para todos os outros."

No decorrer do livro, são feitas muitas outras revelações como a espionagem à entidades internacionais, inclusive às brasileiras PETROBRAS, Ministério de Minas e Energia do Brasil e até mesmo as comunicações da presidenta Dilma e da chanceler alemã Angela Merkel. Fala ainda sobre o caso da Verizon, que foi intimada pela NSA a entregar regularmente todos os detalhes dos registros de ligações das comunicações feitas dos EUA para fora e mesmo de ligações locais, ou seja, a NSA estava secretamente e indiscriminadamente  coletando os registros de ligações de milhões de cidadãos americanos e com qualquer um que eles tenham feito contato externamente (e se você não entende o perigo da coleta desses metadados, dê uma olhadinha nesse artigo). O livro ainda discorre sobre temas como: 

-  governo americano tentando (e conseguindo) controlar a imprensa, principalmente na era Obama;
- países espionados como França, Brazil, Índia, Alemanha; países que são "aliados" ou, na pior das hipóteses, "neutros" a administração americana sendo vítimas dessa espionagem;
- retrata o caso do GCHQ (Government Communication HeadQuarters, agência de inteligência Britânica) que obrigou o jornal The Guardian a eliminar os discos rígidos que continham informações relevantes sobre os dados vazados;
- uso dessas poderosas ferramentas para espionar outras nações ao invés de "lutar contra o terrorismo";
- NSA instalando backdoors em produtos;
- uso de ferramentas utilizadas por hackers pelo governo americano;
- questões relativas a privacidade (e principalmente o porquê privacidade é tão importante);
- a detenção do namorado de Greenwald, David Miranda num aeroporto britânico acusado de terrorismo, sem motivo aparente.
- e muito, muito mais.

É importante notarmos que as revelações nos levam a um importante pensamento: o que fazer? Como se comunicar privadamente num mundo absolutamente grampeado? Como usar ferramentas de forma segura, de instituições que colaboram com um governo que abusa da vigilância sobre seus cidadãos e dos cidadãos do resto do mundo? (e coincidentemente, no dia em que escrevo esse artigo, surge a notícia de que o governo americano tem acesso direto às ligações dos diversos consumidores da Vodafone, em alguns países que ela atua, inclusive em tempo real). Segundo o próprio Snowden, o futuro está na criptografia, a qual infelizmente, ainda é de pouco uso pelos usuários finais, devida a sua complexidade.

Se você se interessa pelo tema, e quer conhecer mais sobre as ferramentas do catálogo ANT da NSA, ou seja, o que há de mais avançado em tecnologia de vigilância (de emuladores de torres de celular GSM até conectores de rede Ethernet e USB modificados de forma a instalar Trojans), dê uma olhadinha aqui.

Mas no livro tem muito mais. Leia porque é um livro inspirador, e trata-se de mais um exemplo da vida real, de que não importa o tamanho nem influência do oponente se você estiver determinado e tiver um objetivo (e agir com inteligência, claro). Ainda mais se esse oponente estiver agindo furtivamente para alcançar seus interesses. Afinal, como afirma o próprio Snowden: "Eu estive nas esquinas mais sombrias do governo e o que eles temem é a luz". Vale muito a pena ler o livro. Concordando ou não com os argumentos de Snowden e Greenwald, não deixa de ser uma boa leitura.

t+

Cristiano
"A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las." - Aristóteles
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