Livro: No Place to Hide | Sem Lugar para se Esconder
Autor: Glenn Greenwald
Editora: Metropolitan Books
Edição: 1º
Data: 2014
ISBN-10: 162779073X
ISBN-13: 978-1627790734ISBN-10: 162779073X
Livro no Scribd: http://pt.scribd.com/doc/226087265/Glenn-Greenwald-Sem-Lugar-Para-Se-Esconder-A-historia-de-Ed-Snowden
Porque ler: Traçando um cenário quase cinematográfico, onde baterias de celulares precisam ser removidas dos dispositivos para evitar que sejam remotamente explorados, o uso de criptografia nos softwares é imprescindível para as comunicações e precauções são tomadas para evitar serem seguidos nas ruas, Greenwald narra toda a história que envolveu a denúncia da escandalosa vigilância americana sobre as comunicações digitais pela NSA. Ele narra os fatos desde os seus primeiros contatos com Edward Snowden (que tentou contatá-lo diretamente diversas vezes mas esbarrou no fato de Greenwald não usar criptografia nos seus e-mails), passa pela política de "Coletar Tudo" do governo americano, faz duras críticas a imprensa americana que estaria sendo conivente com as ações do governo e termina no seu drama pessoal com as acusações de espionagem e tentativas de manchar sua imagem e a de Snowden após as revelações.
Greenwald comenta sobre sua parceira nas revelações com Laura Poitras, que efetivamente teve os primeiros contatos e acreditou na história que Snowden tinha para contar. Laura que, anos antes, havia ensinado a Greenwald uma importante lição: depois de trabalhar algum tempo explorando
o tema "Vigilância da NSA" e produzido 3 filmes bem críticos da chamada
"Guerra ao Terror", Laura começou a ser alvo do governo americano,
sendo constantemente "capturada" em aeroportos para interrogação. Laura
foi interrogada, constantemente ameaçada e teve, por diversas vezes, seus materiais (laptops,
câmeras, smartphones) apreendidos. Após um
interrogatório extremamente abusivo no Newark Liberty International
Airport, Laura, que havia decidido não reclamar publicamente com medo de
que as agressões se intensificassem, notou que a situação não estava
melhorando, pelo contrário, as abordagens estavam ficando piores. Foi
então que Greenwald publicou um artigo sobre esses abusos
e, pela primeira vez em alguns anos, Laura pôde viajar em paz sem ser
ameaçada ou interrogada. Qual a lição? Conforme Greenwald, a lição é que os oficiais da segurança
nacional americana não gostam da luz. Eles agem abusivamente e furtivamente quando acreditam estarem seguros, no escuro. Conforme o autor "A transparência é o único antídoto que funciona".
Já tive minhas dúvidas sobre as
intenções de Snowden, afinal, porque alguém assinaria sua "sentença de
morte", revelando documentos importantes sobre abusos de espionagem ao
redor do globo terrestre, realizados pelo seu próprio governo (governo
ao qual, ele trabalhava terceirizado)? Me custava acreditar que fosse
apenas um "bom samaritano", um verdadeiro patriota buscando por justiça. Porém declarações como essas, feitas pelo
próprio Snowden e registradas por Greenwald, certamente me fazem
entender suas motivações mais claramente: "Quero promover um debate mundial sobre
privacidade, liberdade na Internet e os perigos de um estado de
vigilância. Não tenho medo do que acontecerá comigo. Eu aceitei que
minha vida terá praticamente acabado depois de fazer isso. Estou em paz
com isso. Eu sei que é a coisa certa a fazer. (...) A única coisa com a qual não posso viver é saber que não fiz nada. (...) Eu só tenho um medo em
fazer tudo isso: que as pessoas vão olhar esses documentos e dar de
ombros; que dirão 'nós sabemos que isso está acontecendo mas não nos
importamos'. A única coisa que me preocupa é fazer todas essas
revelações por nada." Conforme o autor comenta, nos primeiros contatos, Snowden se apresentou como "Cincinatus", uma referência ao general romano Cincinato,
que era um fazendeiro e se tornou símbolo do uso do poder político para
o interesse público e desapego (pois uma vez cumprida a sua missão, renunciou ao
poder).
Estando dentro da NSA,
Snowden percebeu que, o que seu governo fazia, não era exatamente o que
ele pregava. A obra cita exemplos de atividades inescrupulosas, como no caso de
um banqueiro suíço, o qual a CIA queria recrutar para obter informações
confidenciais financeiras sobre indivíduos dos EUA considerados "suspeitos".
Conforme o relato de Snowden, um agente da CIA disfarçado fez amizade com o
tal banqueiro e, numa certa noite, o embebedou e o incentivou a voltar de carro para casa.
Armadilha preparada, o homem foi parado pela polícia, dirigindo
embriagado. Foi quando o agente se ofereceu para ajudá-lo de várias maneiras,
contanto que ele cooperasse com a agência fornecendo as informações necessárias. No final das contas a tentativa de recrutamento acabou fracassando, mas, conforme Snowden, "Eles destruíram a vida do sujeito por algo que nem deu certo, e depois simplesmente foram embora".
Snowden relata ainda ter visto drones sobrevoando casas de pessoas que eles intencionavam
matar, viu pessoas sendo espionadas em tempo real, enquanto elas
digitavam na Internet sem sequer suspeitar que estavam sendo vigiadas e percebeu o quão invasiva e abrangente era essa vigilância. Eu, sinceramente, acredito nas suas motivações.
Além disso, o
fato de Snowden ter revelado informações apenas sobre a vigilância exacerbada e não sobre informações da CIA (o que segundo ele, poderia
revelar a identidade de agentes duplos ou informantes), atesta muito a
seu favor e diz muito sobre suas intenções. Revelar segredos da CIA,
poderia ameaçar vidas humanas. Revelar segredos da NSA, ameaça apenas
sistemas abusivos de vigilância.
Lendo o livro, chama a atenção que diversas pessoas, de diversas agências, certamente sabiam da coleta de dados, visto que várias empresas foram compelidas a fornecer informações ao governo americano. Ainda assim, a atitude de fazer essas revelações ao mundo partiu de de alguém de dentro, que sabia "o que" e "como" fazê-lo. Porém o que me assusta de fato é: quantos, além de Snowden, passaram por esse "conflito ético" e decidiram não fazer nada??? Será que eu o faria? E você? O livro numa análise profunda, nos remete mostra justamente um cenário onde alguém está fazendo, alguém teve essa coragem, e ao invés de ser ouvido, está sendo, por muitos veículos da imprensa americana, julgado (e pasmem, condenado).
Capa do distinto:
Indo adiante, as revelações de Snowden tocam num ponto da segurança da informação que é, o acesso de terceiros a informações sensíveis e privilegiadas, sem um controle eficiente. Mesmo sabendo que, existe uma suspeita de que Snowden tenha usado engenharia social contra alguns de seus colegas, é um ponto falho que precisa ser levado em consideração, afinal, não estamos falando do controle de acesso as informações da padaria da esquina e sim de um profissional com um determinado nível de acesso que, após enfrentar um conflito ético, mostrou ao mundo uma coletânea de ações que infringem diversos aspectos da constituição americana (e de diversos outros países também). Se um órgão como a NSA não consegue evitar que seus funcionários vazem informações, é de se pensar que a sua empresa, que provavelmente não possui o mesmo nível de segurança (e tampouco investimentos nessa área, comparáveis a NSA), também esteja vulnerável, não?! Ainda mais agravante, o fato de esse mesmo governo não agir com transparência para com sua própria população.
O
engraçado é que, "transparência" é
justamente um dos motivos da "vigilância". O governo tem a obrigação de
ser transparente com os seus governados, afinal, trata-se de um governo
eleito e suas ações devem ir comprovadamente de encontro aos interesses
dessa população. E o que acontece é justamente o contrário!! Os
governos (e aqui não falo apenas do americano), agem furtivamente para
tornar a vida da sua população
transparente. Acesso vigilante e indiscriminado aos seus e-mails? As
suas ligações? Aos seus pensamentos??? A hipocrisia envolvida em querer
que os outros abram mão da sua privacidade, enquanto você se agarra a
sua com unhas e dentes é um fator repetido diversas vezes no livro.
Inclusive o caso do CEO do Google, Eric Schmidt, que teve suas
informações pessoais como endereço, hobbies, e salário, divulgados por repórteres da CNET com informações descobertas através do próprio Google (a
Google ficou 1 ano inteiro sem conceder entrevistas aos jornalistas da
CNET em função do episódio que tratava-se justamente de questionar a
empresa sobre a quantidade de informações que coletava).
Citando um pequeno trecho do livro (na minha parca tradução): "A
democracia exige responsabilidade e consentimento do governado, que só é
possível se o cidadão sabe o que está sendo feito em seu nome. Presume-se
que, com raras exceções, eles saberão o que seus políticos estão
fazendo, que é o motivo pelo qual eles são chamados de servidores
públicos, trabalham no setor público para órgãos públicos. Da mesma
maneira, presume-se que o governo, com raras exceções, não saberá nada
do que os cidadãos obedientes à lei estão fazendo. É por isso que somos
chamados de pessoas privadas, funcionando em nossas capacidades
privadas. Transparência é para aqueles que exercem funções públicas e
poder público. Privacidade é para todos os outros."
No
decorrer do livro, são feitas muitas outras revelações como a
espionagem à entidades internacionais, inclusive às brasileiras
PETROBRAS,
Ministério de Minas e Energia do Brasil e até mesmo as comunicações da
presidenta Dilma e da chanceler alemã Angela Merkel. Fala ainda sobre o
caso da Verizon, que foi intimada pela NSA a entregar regularmente todos
os detalhes dos registros de ligações das comunicações feitas dos EUA
para fora e mesmo de ligações locais, ou seja, a NSA estava secretamente
e indiscriminadamente coletando os registros de ligações de milhões de
cidadãos americanos e com qualquer um que eles tenham feito contato
externamente (e se você não entende o perigo da coleta desses metadados,
dê uma olhadinha nesse artigo). O livro ainda discorre sobre temas como:
- governo americano tentando (e conseguindo) controlar a imprensa, principalmente na era Obama;
-
países espionados como França, Brazil, Índia, Alemanha; países que são
"aliados" ou, na pior das hipóteses, "neutros" a administração americana
sendo vítimas dessa espionagem;
- retrata o caso do GCHQ (Government Communication HeadQuarters, agência de inteligência Britânica) que obrigou o jornal The Guardian a eliminar os discos rígidos que continham informações relevantes sobre os dados vazados;
- uso dessas poderosas ferramentas para espionar outras nações ao invés de "lutar contra o terrorismo";
- NSA instalando backdoors em produtos;
- uso de ferramentas utilizadas por hackers pelo governo americano;
- questões relativas a privacidade (e principalmente o porquê privacidade é tão importante);
- a detenção do namorado de Greenwald, David Miranda num aeroporto britânico acusado de terrorismo, sem motivo aparente.
- e muito, muito mais.
É
importante notarmos que as revelações nos levam a um importante
pensamento: o que fazer? Como se comunicar privadamente num mundo
absolutamente grampeado? Como usar ferramentas de forma segura, de
instituições que colaboram com um governo que abusa da vigilância sobre
seus cidadãos e dos cidadãos do resto do mundo? (e coincidentemente, no
dia em que escrevo esse artigo, surge a notícia de que o governo
americano tem acesso direto às ligações dos diversos consumidores da Vodafone, em alguns países que ela atua, inclusive em tempo real). Segundo o próprio Snowden, o futuro está na criptografia, a qual infelizmente, ainda é de pouco uso pelos usuários finais, devida a sua complexidade.
Se
você se interessa pelo tema, e quer conhecer mais sobre as ferramentas
do catálogo ANT da NSA, ou seja, o que há de mais avançado em tecnologia
de vigilância (de emuladores de torres de celular GSM até conectores de
rede Ethernet e USB modificados de forma a instalar Trojans), dê uma olhadinha aqui.
Mas
no livro tem muito mais. Leia porque é um livro inspirador, e trata-se
de mais um exemplo da vida real, de que não importa o tamanho nem
influência do oponente se você estiver determinado e tiver um objetivo
(e agir com inteligência, claro). Ainda mais se esse oponente estiver
agindo furtivamente para alcançar seus interesses. Afinal, como afirma o
próprio Snowden: "Eu estive nas esquinas mais sombrias do governo e o que eles temem é a luz". Vale muito a pena ler o livro. Concordando ou não com os argumentos de Snowden e Greenwald, não deixa de ser uma boa leitura.
t+
Cristiano
"A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las." - Aristóteles
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